22 de fevereiro de 2012

Guerras de ontem e de hoje


*O homem, tão fecundo em discernimento e razão,  mascara-se diante da guerra, se esquece de sua condição humana e relega a segundo plano tudo o mais que não lhe seja útil e conveniente.


O três de maio,1808. Óleo sobre tela 266 cm x 345 cm, de Goya. 
Nenhuma sociedade permanece a mesma ao longo de sua história. Nada mais óbvio. Os costumes, os hábitos, os valores culturais que cultivamos se atualizam, se renovam constantemente para cederem espaço ao novo, ao moderno e assim darem prosseguimento à marcha histórica da humanidade. É essa fantástica dinâmica existencial que atende a necessidade de o homem estar sempre passando pelo processo de evolução em todos os aspectos da vida. Eis ai o único ser capaz de mudar a si mesmo, de reinventar a própria realidade, de empreender revoluções científico-tecnológicas, de criar e recriar ininterruptamente.

É inegável que a humanidade tenha evoluído até os dias que se seguem. Mas é indubitável o fato de ainda não ter se desvinculado totalmente das “abomináveis heranças do passado”. E, se realmente “o coração tem razões que a própria razão desconhece”, como bem disse Blaise Pascal no século XVII, não será mesmo fácil entender a complexidade da natureza humana. A guerra constitui essencialmente uma dessas tais “heranças” da qual não podemos esperar a menor glória que seja. E, ao que parece, parte de nós ainda não aprendeu com as lições legadas pela história e continua vivendo em estado de natureza, isto é, na condição social em que todos fazem guerra contra todos. Não se trata de uma guerra propriamente armada. As armas  mortíferas que hoje reinam soberanas são o egocentrismo, a falta de solidariedade ao próximo, o esfacelamento da unidade familiar, a indiferença, a inconsciência e tantas mais.

Mas, falemos da guerra propriamente dita, esta guerra desencadeada pelo homem contemporâneo, infinitamente mais evoluída e técnica do que qualquer outra deflagrada a cem ou duzentos anos atrás. Ela é, naturalmente, o erro mais brutal que pode existir na face da Terra. Com ela, o homem acha que tudo deve e tudo pode. Usa-a como escudo para ceifar vidas em nome de uma falsa fé professada, em nome do tão esperado progresso, em nome dos interesses pessoais ou de uma pequena horda privilegiada, desrespeitando direitos universais e inalienáveis, tais quais a liberdade, a segurança e a própria vida. Trata-a definitivamente como a forma mais adequada para a resolução de suas peripécias e desavenças, quando em verdade poderia seguir por caminhos ainda não trilhados, como o da compreensão, da compaixão e por finalidade última, da concórdia.

Na guerra, nunca há vencedores. Ela própria impõe tal condição aos seus devotos, pois do contrário não seria guerra. Há dois lados vencedores, entretanto, quando se lança mão da maior das habilidades táticas que consiste em vencer o inimigo sem mover uma arma sequer, o que só é possível quando a guerra é travada na base do diálogo e do entendimento mútuo. Poderíamos nos perguntar: quanta terra poderia não ter sido banhada de sangue, quantas lágrimas não precisariam ter sido derramadas, quantas vidas inocentes teriam sido poupadas da fúria animalesca do homem? A guerra e suas contradições explicam perfeitamente os motivos pelos quais nações empreenderam conquistas mundo a fora, fundaram reinos e fortificações, forjaram seu poderio e hoje são o que são.

Não fosse o homem ter germinado o sentimento de ganância, inveja, poder e tantas outras mesquinharias que o tornam pequeno e insignificante diante de tudo, possivelmente, a guerra não teria sido engendrada no seio da humanidade. E são justamente tais sentimentos que levam o gênero humano a se autodestruir, uma vez movido por eles. O homem, tão fecundo em discernimento e razão, único capaz de disseminar emoção, mascara-se diante da guerra, esquecendo-se de que é o único ser racional dotado de logos, isto é, da palavra, da capacidade dialógica e, principalmente, de um grande coração que vive a palpitar. Ele  esquece de sua condição humana, relegando a segundo plano tudo o mais que não lhe seja útil, conveniente .

A guerra é o anseio de se manter privilégios e de se obter posição superior em relação aos demais. É a maneira mais vil de que o homem se utiliza para subjugar o seu próximo. Mas afinal, até quando assistiremos bestializados a guerra representar o mal necessário para a resolução de nossos problemas?

A guerra não pode ser considerada fruto da humanidade, mas um mal inevitável recaído sobre ela em virtude de nossas próprias ações indignas. Por isso, tratemos de resolver nossas questões da forma mais simples possível. Resolvamos categoricamente com compreensão e mansidão, pois tais atitudes são originalmente humanas, portanto, frutos da humanidade. É imprescindível que as questões mais complexas sejam tratadas como se fossem as mais simples, com o único e fiel objetivo de evitarmos o conflito, a guerra em massa. É fundamental buscarmos a paz a todo custo, porque esta é sinônimo de união, ao passo que aquela combina com destruição.

Que o homem se conscientize agora em nome das gerações que estão por vir, de que para termos um mundo melhor e cada vez mais igualitário é preciso sentir-se e reconhecer-se como membro de uma grande aldeia global, onde cada um possa viver em função do outro, independente de raça, cor ou credo, nacionalidade ou cultura, mas, sobretudo ligados, entrelaçados pelo forte sentimento de serem verdadeiros e únicos seres humanos, os quais foram escolhidos a dedo pelo Grande Criador de todas as coisas, para habitar, povoar e multiplicar os frutos desta terra.

*Texto de uma redação que fiz no 2° Ano do Ensino Médio (bons tempos aprendendo a queimar as pestanas com a professora Clarice).

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